O que é Música – Cinco Aspectos que Todo Músico Deve Saber

Tempo de leitura: 14 minutos

-Afinal de contas, o que é música?

Uma pergunta simples, mas que demanda análise profunda da natureza humana e da física envolvida nessa manifestação artística para se ter uma resposta satisfatória. Grosso modo, podemos dizer que música é a arte da manipulação deliberada do som, ou seja, para criar música é necessária ação intencional de organizar sons respeitando uma série de parâmetros previamente estabelecidos.

Uma resposta concisa, mas incompleta.

O fato de se trabalhar com o som e de haver a intenção de um autor na composição não explica a razão pela qual fazemos e ouvimos música. Para explicar os aspectos menos óbvios, como a nossa relação com os sons, é necessário adentrarmos em outras áreas do conhecimento humano, até porque não faria sentido nenhum criar música se não tivéssemos capacidade de apreciação não só de músicas, mas das artes em geral.
Explicar esses aspectos da nossa natureza é uma tarefa difícil, visto que alguns aspectos humanos são tão intrínsecos a nós, que é difícil compreendê-los com certa profundidade sem algum distanciamento. Um desses aspectos é a nossa natural afeição à arte. Você já se perguntou o que nos leva a ter esse comportamento? O que é arte? Afinal de contas, por que temos essa necessidade de trabalhar nossos afetos usando criatividade e subjetividade?

Em sala de aula, costumo fazer essas perguntas aos meus alunos. Já me acostumei com as expressões de estranhamento que geralmente vêm em seguida. É como se tivessem a resposta, mas por alguma razão não conseguem expressá-las por palavras.
–Ora, música é… Música!
Realmente é difícil definir algo que nos é tão natural, usando uma analogia, seria como se eu perguntasse:
-O que é a cor azul-.
Qualquer pessoa que tenha a visão saudável e consiga distinguir as cores sabe perfeitamente reconhecer a cor azul, mas definir o que é, é que são elas!
Da mesma forma que reconhecemos as cores de forma tácita, percebemos e apreciamos música de forma tão natural que nos é difícil explicar a experiência de se ouvir música. Cotidianamente somos submetidos a experiências musicais diversas, em contextos e para diferentes fins sociais.
Das músicas executadas em ritos religiosos às que são usadas para ambientar restaurantes sofisticados, passando pelas canções folclóricas e regionais.
Podemos constatar ainda de forma empírica que ao redor dos diferentes gêneros musicais estruturam-se padrões sociais e comportamentais. Indo além, podemos dizer que os gêneros musicais são um subproduto da identificação cultural de grupos sociais. Sendo assim, o estudo das manifestações musicais envolvem conhecimentos antropológicos e sociológicos, pois se trata de um resumo das crenças e valores de uma determinada população.
Para confirmar essa constatação, façamos um exercício. Observe a sequência de imagens a seguir e busque tente adivinhar o tipo de música mais combina com cada foto.

Culturas e música

Perceba as imagens automaticamente nos remetem a um contexto musical, isso acontece porque nessas imagens, os personagens assumem arquétipos que são impetrados no nosso inconsciente coletivo. Isso acontece porque desde crianças, somos submetidos à experiências musicais que nos despertam um senso de coerência entre imagens e sons.

Jung explica… E isso nos leva ao próximo tópico.

 

Música é um Elemento de Construção Social

Evolutivamente nos adaptamos de forma que os indivíduos com maior propensão a cooperação e a interação comunitária prosperaram. Isso significa que, naturalmente, tendemos a nos organizar em grupos sociais e nesses grupos, costumamos construir hierarquias sociais. A identificação a um grupo e a uma categoria hierárquica é, portanto, uma necessidade urgente da nossa espécie, pois em uma espécie que se organiza em grupos, ser acolhido e identificado a um bando é, evolutivamente, um fator determinante para sobrevivência e reprodução.

A necessidade humana de aceitação é tamanha que, para que fique evidente a participação de um indivíduo a certa estrutura e hierarquia social, foram criados signos de linguagem, vestuário e até ritos compartilhados que explicitam de certa forma os ideários e “way of life” de um determinado grupo social. A arte é,nesse sentido, a manifestação dessa necessidade de pertencimento. Podemos observar mesmo nas capas de CD a estética e características que cada gênero musical evoca nos seus ouvintes.

Importância da Pulsação para a Compreensão Musical

A primeira coisa que qualquer estudante de música deve ter em mente é que música é uma manifestação artística baseada em tempo. Saber disso é fundamental, pois direciona os estudos de forma mais clara no sentido de dominar as proporções de tempo em um arranjo musical. Falo desse assunto com mais clareza no post: O que é Ritmo – Noções que todo Músico Deve Saber. Leitura recomendada para quem quer iniciar os estudos musicais de forma correta.
Voltando à nossa definição, o termo “música” vem do grego μουσικήτέχνη (arte das musas) e é uma manifestação artística que se constitui na combinação deliberada de sons em função de uma determinada contagem de tempo seguindo um sistema de padrões preestabelecidos.

Tempo, aqui, é a palavra chave. Música é uma manifestação artística que se dá, necessariamente, em função de uma passagem tempo, tanto é que toda música tem uma duração em minutos e segundos. O sistema de contagem de tempo baseado em minutos e segundos possui uma pulsação como estrutura básica na contagem de tempo. Podemos constatar uma ideia do que é o pulso ao observarmos o movimento do ponteiro dos segundo em um relógio analógico que se movimenta uma vez a cada segundo. O movimento dos ponteiros dos segundos tem a função de estabelecer pequenas quantidades de tempo que, por sua vez, constroem porções maiores, dividindo o dia em frações com mesma duração. Em música, porém, a contagem dos minutos e segundos não nos oferece métricas precisas para se ter um controle fino da velocidade de pulsação e das relações de tempo em um arranjo musical.
Para se ter esse controle, foi convencionado estabelecer como métrica a quantidade de pulsos contidos em um minuto, chamamos essa métrica de BPM (Batidas por Minuto). Quanto maior a quantidade de pulsos em um minuto, maior é a velocidade da pulsação musical adotada.

Voltando ao relógio analógico, podemos dizer que o ponteiro dos segundos realiza pulsação de 60 BPM’s, ou seja, a cada minuto, esse ponteiro faz sessenta movimentos.
O conceito de pulsação é, portanto, o fundamento mais importante a ser aprendido por um iniciante, pois, a partir da pulsação são estabelecidas as durações de tempo de qualquer nota ou batida. Sendo assim, nossa evolução musical parte necessariamente da capacidade de se perceber a pulsação adotada em um arranjo. Alguns macetes podem ser usado para facilitar o entendimento, por exemplo, podemos perceber pulsação quando, ao ouvir uma música, batemos os pés movimentamos a cabeça ou mesmo quando batemos palmas ao cantar “Parabéns pra Você” em uma festa de aniversário. Perceba que o ritmo possui uma relação bem próxima com a percepção de movimento.

Podemos, então, conceituar pulso como uma marcação temporal constante que nos oferece previsibilidade necessária para brincarmos com as suas proporções.

A verdade é que adoramos previsibilidade, somos naturalmente peritos em buscar lógica e previsibilidade nos eventos da natureza. Somos tão bons nisso que costumamos encontrar padrões até onde eles não existem. Da previsibilidade dos pulsos e das proporções dos elementos musicais vem o nosso prazer em ouvir e tocar música. A experiência musical é, nesse sentido, um fenômeno orgânico.

Metrônomo, um instrumento analógico que produz pulsação com velocidade ajustável.

A Música como fenômeno orgânico

A ideia de que as bases da construção musical estão associadas à pulsação, nos leva a um estudo publicado em 2009, realizado por Hugo Merchant na Universidade Nacional do México e que tinha como objetivo observar as similaridades do sistema motor e a percepção de timing entre humanos e macacos. Para tal, foram recrutados vinte humanos, dez homens e dez mulheres e três macacos-rhesus.

O estudo consistia em fazer com que os candidatos tocassem em um botão em sincronia com pulsações ora visuais, ora sonoras, bem como continuar a tocar o botão na mesma periodicidade após cessarem os estímulos. Os resultados mostraram que, muito embora, houvesse algum sentido de tempo por parte dos macacos, quando eles eram submetidos aos pulsos auditivos, tinham grande dificuldade de coordenação e de sincronização. Isso se dá porque os macacos, ao serem submetidos aos estímulos sonoros, reagem a cada pulsação enquanto seres humanos tendem a prever os próximos pulsos com base na periodicidade assimilada.

Podemos concluir com esse experimento é que, diferentemente dos outros primatas, nós temos a habilidade de detectar frequências periódicas que, juntamente com nossa habilidade de abstração, nos permite intuir que a mesma frequência de pulsação percebida irá se repetir em batidas futuras. A ideia de previsibilidade, então, é muito prazerosa ao nosso cérebro. Quando as expectativas de previsão são correspondidas, é liberada dopamina em nossa corrente sanguínea, neurotransmissor responsável por ativar os circuitos de recompensa no nosso cérebro. Grosso modo é o hormônio responsável pela sensação de prazer, dentre outras funções como aprendizado, atenção e controle do sistema motor. A liberação de dopamina, em última análise, é responsável pela sensação de prazer que sentimos ao ouvir música.
Estudos relacionados à neurociência também observaram intensa atividade cerebral em indivíduos submetidos à música (link Efeito da Música no Cérebro), dentre as áreas ativas estão, regiões responsáveis pelo controle de movimentos, processamento de som e sistema límbico. Estudos recentes têm obtido resultados promissores no tratamento de doenças neurológicas degenerativas como Alzheimer por meio de música.
Esses são apenas alguns dados que comprovam a importância da música para
nossa espécie.

A Física envolvida nos processos musicais

Um garfo diapasão, instrumento metálico que, ao ser batido em uma superfície qualquer, produz vibração de 440 Hz.

Até agora, nos limitamos a conceituar música a partir dos movimentos de pulsação que formam a estrutura mais elementar na construção musical, isto é, em termos gerais, o elemento que chamamos em música de ritmo.
Porém, quando se fala de música também podemos constatar outras estruturas
como notas musicais e acordes, que nada mais são que pulsações em escalas diferentes, um assunto para discorrer em um próximo post.

Podemos definir som do ponto de vista físico como uma onda mecânica formada por vibrações que necessitam de um meio físico para se propagar. Ondas sonoras se propagam em todas as direções a partir de um emissor, sendo, portanto, uma onda esférica, e pode ter ou não frequências com periodicidade calculável.

Para se determinar a altura de uma frequência, convencionou-se determinar Hertz como unidade de medida. Hertz (Hz) é a denominação dada à quantidade de ciclos efetuados em um segundo. Se o Lá da terceira oitava, por exemplo, produz vibração de 440 Hz no sistema padrão de afinação, pode-se concluir que há 440 vibrações a cada segundo quando se executa essa nota.
Para ler um artigo com dados mais aprofundados sobre altura e afinação, clique aqui.

Com base em tudo que foi dito no parágrafo anterior, conclui-se que, se uma determinada onda sonora possui um padrão vibracional reconhecível, ela pode ser classificada como uma nota musical.
As Notas Musicais, portanto, nada mais são que representações de determinadas frequências sonoras estabelecidas por convenção. A frequência sonora mais conhecida é o Lá 440 Hz, Referente à nota Lá da oitava 03, frequência utilizada como diapasão para determinar a afinação de todos instrumentos melódicos e harmônicos no sistema convencional de afinação.

A Música como Linguagem

Como em todo idioma, os sistemas musicais são regidos por regras e a partir dessas regras preestabelecidas, montamos estruturas maiores e mais complexas. A macroestrutura da música é composta por três pilares básicos que são:

Desses pilares, o mais fundamental é o ritmo, pois em música, todas as relações de som norteadas pela pulsação. Ritmo é a organização temporal das notas musicais, sons percussivos e silêncios a partir de uma marcação de pulsos. Todas as relações de tempo em um arranjo musical, por mais lentas que sejam são rítmicas.
Melodia é combinação de sons sucessivos com frequências distinguíveis. Em linguagem mais simples, podemos dizer que melodia é o elemento que compõe a parte “cantável” da música. Nossas cordas vocais, em condições normais, conseguem produzir um som de cada vez, nesse caso, quando cantamos, assobiamos ou solfejamos uma música, estamos reproduzindo uma sequência de notas sucessivamente, sem que duas notas sejam tocadas simultaneamente. As notas de qualquer melodia, no entanto dependem de rítmica para que se toque a sequência na duração correta. Harmonia é o elemento musical que lida com a combinação de notas
musicais, dando-as um sentido dentro da estrutura musical. Grosso modo, é a parte da música que lida com acordes. Cada acorde, dentro do sistema tonal possui uma função distinta.

Para entender esse assunto de forma mais profunda, recomendo fortemente a leitura do post em que falo sobre Campo Harmônico e da série de posts em que falo sobre Acordes.
A partir das estruturas musicais, foram construídas ideias melódicas, células rítmicas, sequências harmônicas e perfis de arranjo que foram associadas a regiões, países, povos e culturas como já discorremos nesse post. Para discriminar as atividades musicais distintas estabelecemos o termo gênero musical.
Gênero musical é o nome dado às classificações musicais. Em linguagem popular é o que costumamos chamar de ritmo. Em música essa terminologia é inadequada, visto que ritmo é uma atribuição dada à organização dos tempos na música a partir de uma pulsação.
Uma última observação vale ser colocada aqui. Dou-a como músico com certa experiência. Nunca subestime um gênero musical. Cada categoria de música possui sua própria riqueza e história. Incorrer nesse erro pode ser muito danoso à evolução musical de estudantes de música.

Este texto é somente uma introdução, a música abrange aspectos biológicos sociais e físicos. Não podemos dar uma definição precisa sem nos aprofundarmos em acústica, nos processos orgânicos e hormonais, nas análises sociológicas e antropológicas. Para tentar dar algum horizonte ao leitor, criei este blog. E espero de verdade te ajudar no processo de evolução musical. Tudo está começando aqui, por este post.
Para mais análises musicais profundas, mantenha-se conectado a este blog!

Boa sorte e bons estudos!

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