Série Harmônica – A Física Aplicada nas Concepções Musicais

Tempo de leitura: 9 minutos

Série Harmônica é o nome que damos ao conjunto de frequências que se formam a partir de uma vibração sonora. Em suma, a série harmônica é composta pela frequência fundamental, que é a frequência principal e seus respectivos harmônicos advindos das vibrações secundárias do meio emissor.

Por ser um assunto que envolve certa complexidade, eu sugiro fortemente a leitura dos posts em que trato de Notas Musicais, Tons e Semitons e Intervalos Musicais para que o leitor se inteire dos termos que usaremos neste post.

Grosso modo, podemos associar o desenvolvimento das escalas musicais modernas às descobertas feitas por Pitágoras (o mesmo do teorema), no século VI a.C.

Experimento do Monocórdio

Na tentativa de entender como os sons se comportam, Pitágoras, como um matemático, percebeu que que uma corda ao ser tangida, não só vibrava em toda sua extensão mas, também formava ondas menores que subdiviram-na em nós proporcionais à sua extensão completa.

Dessa forma, para associar as ideias de proporção métrica às vibrações sonoras produzidas por uma corda, Pitágoras criou o monocórdio, instrumento composto por uma caixa de ressonância e uma única corda. A partir dessa corda, Pitágoras fracionou sua extensão em partes proporcionais a seu comprimento integral, tangendo-a a fim de descobrir as mudanças nas frequências sonoras obtidas a partir das alterações de comprimento.

Instrumento usado para medir proporções sonoras que coincidem com a série harmônica
Monocórdio desenhado por Robbert Fludd na página 90 do livro Utriusque Cosmi, “Maioris scilicet et Minoris, Metaphysica, Physica, Atque Technica Historia”, publicado em 1617. Naturalmente, àquela época, as descobertas acústicas eram muito associadas ao misticismo e à religiosidade inerentes à cultura européia.

O resultado desse experimento é a Lei das Cordas de Pitágoras, que diz que a frequência de vibração de uma corda é inversamente proporcional ao comprimento da mesma. A partir dessa constatação, obtivemos as bases para a consolidação das escalas musicais modernas.

A Fundamental e Seus Harmônicos

Como já foi dito no primeiro parágrafo, a série harmônica é formada a partir de um harmônico fundamental, acompanhada de harmônicos secundários que o sobrepõe. Esses harmônicos são formados a partir da ondulação das frações da corda que se formam naturalmente enquanto elas vibram.

Desta forma, a representação gráfica desse movimento se dá pela imagem a seguir:

Série Harmônica

O número de frações possíveis e, consequentemente, de harmônicos é infinito, porém, por questões de praticidade, costumamos analisar apenas os 16 primeiros harmônicos.

É importantíssimo ressaltar aqui que as frequências geradas em uma série harmônica são diferentes das frequências que nos habituamos a usar nas escalas modernas. Para que o leitor não se confunda, é interessante dizer que as notas decorrentes dos intervalos formados a partir dos harmônicos da Série harmônica não terão a mesma frequência adotada nas notas temperadas.

Neste post, eu explico a razão dessa divergência.

Intervalos Formados a partir da Série Harmônica

1º Harmônico – A Fundamental

A onda fundamental de uma série harmônica representa o som mais expressivo. É a onda cuja frequência indica a nota que está sendo tocada.

Se tomarmos uma corda que vibra a nota Dó, como exemplo:

1ª Fundamental do Campo Harmônico

2º Harmônico

O Segundo harmônico dessa série é formado pela subdivisão da corda em duas partes de mesmo comprimento que vibram simultaneamente.

Se a vibração da corda em sua extensão total é, nesse exemplo, a nota Dó, as duas metades também vibram a nota Dó, porém, uma oitava acima.

Segundo Harmônico da Série Harmônica

Conclui-se aqui, portanto, que há proporcionalidade inversa em relação à frequência e comprimento da corda. De forma que, ao dividir a corda em duas partes, obteremos a mesma nota uma oitava acima.

Analisando essa constatação observando a frequência sonora obtida a partir dessa subdivisão, observaremos que a frequência de uma nota dobra a frequência a cada oitava mais aguda. Desta forma, podemos intuir que cada potência de 1/2 será representado por uma nota Dó cada vez mais aguda.

Assim sendo, observe a tabela com as frequências de Lá em cada oitava na afinação atual como exemplo.

Lá -127,5
Lá 055
Lá 1 110
Lá 2220
Lá 3440
Lá 4880
Lá 51760
Lá 63.520

A partir dessa observação, pode-se concluir que, ao contrário do que se possa imaginar, as notas musicais se interagem em progressão geométrica.

3º Harmônico

Ao dividir a corda em três partes, obteremos o primeiro harmônico diferente de Dó. Será a nota Sol, que, não por coincidência é o terceiro intervalo mais consonante. O intervalo formado entre a nota Dó e Sol é de 5ª Justa.

3º Harmônico da Série Harmônica

É importante destacar aqui que se agruparmos duas das três partes e vibrarmos em toda sua extensão, obteremos uma nota Sol uma oitava mais grave. Isso porque, a fração 2/3 é o dobro de 1/3.

Proporções sobre o terceiro harmônico

Guarde essa informação porque ela será necessária para se entender a teoria por trás da construção das escalas musicais.

4º Harmônico

O quarto harmônico, resultado da vibração da quarta parte da corda, logicamente será uma nota Dó porque essa divisão da corda é, logicamente, a metade da metade da corda. Temos aqui, portanto, uma nova 8ª Justa.

quarto harmônico da Série Harmônica

Essa nova nota Dó, contudo, será uma oitava mais aguda que a nota Dó obtida pela divisão da corda em duas partes.

Oitavas dobram frequências

5º Harmônico

Dividindo a corda em cinco partes, obteremos um novo harmônico que soará a nota Mi. por conseguinte, o intervalo formado entre a nota Dó e Mi também será consonante, uma Terça Maior.

Quita parte da corda Série Harmônica

6º Harmônico

Seguindo a lógica estabelecida, ao dividir a corda em seis partes, cada parte vibrará na nota Sol uma oitava mais aguda que o sol produzido pela terça parte da corda. Isso, porque cada sexta parte tem o dobro do comprimento da terça parte da corda.

6º Harmônico da Série Harmônica

7º Harmônico

Todas as notas geradas pela série harmônica de Dó até aqui são naturais à escala de Dó maior, entretanto, dividindo a corda em sete partes, obteremos a nota Sib. O intervalo formado entre Dó e Sib é de Sétima menor, se trata, portanto, do primeiro harmônico dissonante dessa série.

8º Harmônico

Para o oitavo harmônico temos, adivinha, uma nova nota Dó, essa, por analogia, será ainda mais aguda que as anteriores.

oitavo harmônico da Série Harmônica

9º Harmônico

A partir deste ponto, a quantidade de harmônicos coincidirá com o intervalo observado entre a fundamental e a nota obtida, a saber, a divisão em nove partes da corda produzirá vibração em Ré, que é a nona maior de Dó.

10º Harmônico

Obtido pelo fracionamento da corda em dez partes iguais, o décimo harmônico vibra em Mi, que, afinal, é a terça composta maior de Dó ou Décima maior, como preferir.

11º Harmônico

No décimo primeiro Harmônico obteremos mais um acidente em relação à escala de Dó maior, será a nota Fá#, que, de fato, representa distância de décima primeira em relação à nota Dó, só que, nesse caso, esse intervalo é aumentado. O intervalo formado entre Dó e Fá# é de décima primeira aumentada.

12º Harmônico

O Décimo segundo harmônico vibrará a nota Sol, isso porque o denominador dessa fração é múltiplo par de 1/3, que também correspondente à nota sol.

O intervalo formado entre a nota Dó, correspondente à vibração da corda inteira e a nota Sol, de acordo com o que já apresentamos, é de quinta justa composta, ou décima segunda justa.

13º Harmônico

Como já se deve imaginar, o intervalo de décima terceira em relação a Dó é Lá. Dessa forma, como há coincidência entre intervalos e harmônicos até aqui, cada parte da corda dividida em 13, soará a nota Lá.

14 º Harmônico

O décimo quarto harmônico corresponderá à nota Sib, pois, como já sabemos, 1/14 é múltiplo par de 1/7 que vibra a nota Sib também.

15 Harmônico

Esta subdivisão da corda possui características excepcionais, pois, como se sabe, a partir do nono harmônico há coincidência entre as notas obtidas pela subdivisão com o intervalo que elas formam com a nota principal. A partir da divisão em quinze partes, entretanto, esse macete passa a não valer mais.

A nota obtida pelo fracionamento da corda em 15 partes é o Si natural.

16º Harmônico

Finalmente, a partir desse harmônico obteremos a nota Dó que fecha, portanto, o ciclo de harmônicos mais importantes.

Em conclusão, unindo todas as subdivisões em uma única imagem, teremos:

Sintetizando esses dados em uma pauta musical, teremos:

Lídio B7

Em suma, a onda fundamental e os primeiros harmônicos são mais perceptíveis, na medida que as frações menores se tornam inaudíveis. Dessa forma, observe como os harmônicos seriam dispostos em uma partitura e compare suas alturas.

Veja que, colocando as notas em ordem dentro de uma escala obteríamos:

Contudo, podemos observar que nessa escala há duas notas Si, uma natural e outra bemol. Como na série harmônica formada a partir da nota Dó temos a incidência de dois harmônicos que soam Sib e apenas um em Si e em uma subdivisão muito pequena, na prática, os harmônicos mais representativos são os seguintes:

Essas notas formam o modo Lídio B7, que é um dos mais usados no Jazz e bossa nova. Isso porque, apesar de ser uma escala com dissonâncias bem marcantes, ele soa de forma suave em uma ambiguidade interessantíssima para um trabalho artístico.

Tenho um ditado que eu mesmo cunhei, não importa a sua questão, Lídio B7 é a resposta!

Vale relembrar aqui que todo esse trabalho baseia-se unicamente na série harmônica de Dó. Cada nota possuirá uma série harmônica distinta e com harmônicos que sigam a proporção apresentada nesse post.

Em conclusão, seguem alguns links para aprofundamento: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/sonora/article/download/638/611; https://rl.art.br/arquivos/5526619.pdf

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *